sexta-feira, 30 de maio de 2025

Por Uma Nova Perspectiva de Dom Pedro II

 


A glória de Dom Pedro II reside na consolidação da unidade nacional por meio de um projeto centralizador que permitiu ao Brasil defender-se das investidas imperialistas do século XIX e afirmar-se como herdeiro da tradição civilizatória romana.


Em uma análise brasileira e QTP, é possível reconhecer que o reinado de Dom Pedro II teve altos e baixos, mas foi fundamental para a construção de uma dialética nacional, articulando elementos diversos da nossa identidade em formação.


Reconhecer isso não significa atribuir-lhe papéis que nunca exerceu, nem cair em delírios de saudosismo monarquista. Muito menos implica ignorar seus erros — como o envolvimento em guerras fratricidas que marcaram parte de seu governo.


No entanto, tampouco devemos demonizá-lo, como fazem alguns. É necessário analisá-lo com objetividade, reconhecendo suas limitações, mas também exaltando seus méritos e legados.


Pedro II era um liberal em muitos aspectos, mas seu legado e simbolismo vão além das fronteiras ideológicas. Por isso, é um erro restringir sua figura à narrativa exclusivamente liberal. 


Devemos resignificar a figura do nosso imperador, retirando-o da narrativa liberal e transformando-o em mais um dos símbolos da nacionalidade em nossa história, sob uma nova perspectiva nacionalista. Assim, poderemos resgatar o sentido profundo de sua profecia e trabalhar para torná-la realidade:


“O Brasil será o herdeiro, o representante, o continuador das glórias da raça latina no globo.”

sábado, 24 de maio de 2025

O Gosto Pela Vulgaridade - Julius Evola

 


Até ontem, víamos exactamente o contrário: muitas pessoas, homens e mulheres, das classes mais baixas procuravam, mais ou menos artificialmente e desajeitadamente, imitar os modos, o linguajar, o comportamento das classes superiores. Hoje faz-se o oposto e julga-se não ter preconceitos, quando na realidade se é apenas vulgar e imbecil. Num domínio diferente, uma outra manifestação do gosto pela vulgaridade, é a moda dos cantores “berradores”, infelizmente muito difundida em Itália. A orientação é a mesma. Cai-se com prazer ao nível da rua, da praça do mercado: primitivismo da voz vulgar, no melhor dos casos instintividade quase animal em termos de expressão e de emoção. O êxtase provocado, desde há muito, pelo canto rouco e desarmonioso do negro, complacente na sua própria abjecção, entre os homens e mulheres de raça branca está na mesma linha. Neste momento, um caso particular é oferecido pelo grupo The Beatles, que suscitou um entusiasmo delirante entre a juventude. Além do cabelo, do tipo indicado acima, o próprio nome escolhido por este grupo é revelador: estes berradores definem-se como “baratas” (beatles); escolheram assim como símbolo um dos insectos mais repugnantes: novo exemplo típico do gosto pela abjecção. Podemos também assinalar de passagem, a título de ilustração, o facto de um membro da aristocracia romana, que abriu uma boîte (é claro que hoje em dia deve dizer-se night club), ter querido chamá-la “A Cloaca”, sendo que só a oposição da polícia o impediu de o fazer. Mas voltando aos Beatles, não foram eles armados cavaleiros do Império Britânico pela Rainha Isabel de Inglaterra? São estes os sinais dos tempos. O pântano chega mesmo até aos palácios, que na verdade já não passam de vestígios ocos e apagados.

sábado, 17 de maio de 2025

Lusitanos - José Luís Ontiveros

 

Quando Portugal e Espanha dominavam no Ocidente,

as culturas pré-colombianas afirmavam-se como alternativa

do mundo tradicional, em particular, a minha ascendência

mexicana, que se fundamenta nas crenças solares e no

pessimismo heróico do povo Azteca, o “povo do Sol”. Em

seguida, sucedeu-se uma série de desastres que a linhagem

românica partilhou. Impôs-se o monismo judeo-cristão e

sepultaram-se os deuses, que ainda dormem enquanto a taça

se definha. Portugal e Espanha decaíram, face ao empurrão

das potências mercantilistas e usurocráticas, unidas ao

“pathos” racial fomentado pelo capitalismo, como tão bem

explica Werner Sombart. As nossas línguas perderam a sua

ambição imperial e encontram-se agora ameaçadas pela

globalização etnocida e pelo domínio de um “esperanto”

dos mercadores. Mas, nestes momentos de extrema penúria,

de falta de vontade de luta pela nossa diferença, sutge o

exemplo magnífico de Luís Vaz de Camões, o poeta guerreiro,

o grande forjador do português, com o seu olho perdido

por obediência ao destino e encontrado, luminoso, entre as

páginas Os Lusíadas; logo aparece, com os seus óculos

voláteis, o seu credo aristocrático e os seus “heterónimos”

que rondam pela aba do seu chapéu, o enorme Pessoa. Com

a bênção de Camões e Pessoa, dedico esta muito breve

aproximação ao escritor que soube desafiar os dogmas de

uma civilização moribunda — Fernando Pessoa —, com um

gesto de agradecimento da “barbárie” aos irmãos de língua

portuguesa, na lembrança imperial de um só destino, na nossa

relação particular com o Brasil, no âmbito de uma mesma

“pátria espiritual”, sob a glória dos pendões de Vasco da

Gama e do símbolo imbatível do rei D. Sebastião.


Fernando Pessoa: o valor do mito

Dizia Ezra Pound que “poucos homens se podem

permitir, pela simples razão de que, ao fazê-lo, poderiam

por em perigo os seus proventos (directamente), ou o seu

prestígio, ou posição, num ou noutro dos mundos

profissionais, o comprometer-se pelos seus pontos de vista”.

Entenda-se este compromisso como uma exigência da

própria pessoa, independentemente de qualquer

compromisso com os outros. Esta política de um dever

interior fica manifesta nos juízos artísticos de Fernando

Pessoa sobre a política.

O poeta português, crente no mito lusitano do regresso

de D. Sebastião (o rei que representa o regresso à centralidade

na vida espiritual de Portugal e que cumpre a função poética

e profética do mito), revelou uma parte de si numa série de

obras políticas, que mais deveriam ser consideradas como

metapolíticas, e constituem uma forma de poetizar ou

transcendentalizar a política. Convergem em Pessoa diversas

influências. Porventura o seu aspecto menos otiginal é o que

o faz tributário das crenças dominantes na civilização

moderna, como o racionalismo, o positivismo e o culto da

organização. Nesse aspecto, Pessoa assemelhar-se-ia a um

discurso spenceriano, muito mais imaginativo, mas não iria

mais além. Pessoa é um artista que olha a política no seu aspecto

estético e talvez se expressasse sobre ele com reflexões como:

“Mas o permanente é instaurado pelos poetas” e “Os únicos

que mudaram mais os povos foram os poetas”. Assim, o

poeta português concebe-se como um intérprete do

verdadeiro “ser português”, protagonista teórico do

misterioso Núcleo de Acção Nacional, que escreve “não (a)

todos os portugueses que nos leiam, mas (a) todos os que

nos saibam ler”. Trata-se de mitificar a razão para a subverter.

Pessoa considera, então, que o mito é muito mais importante

do que a razão, para uma acção política que pretende ser

artística. E essa é, quiçá, a origem do seu conservadorismo

aristocrático, em que a política é considerada como a

substância mais medíocre e imediata, como reino da fealdade

e da falta de imaginação.

Em 4 igualdade entre os homens, Pessoa assinala, primeiro,

um sentimento e, logo a seguir, um juízo. Descreve o que

certamente experimentou no meio da massa, nas fauces do

poder anónimo da época: “A verdade é que entre um

trabalhador e um macaco há menos diferença do que entre

um trabalhador e um homem realmente culto”. Se tal emoção

de uma diferença pudesse ser tomada como uma negação

do mito soreliano, pelo qual o proletariado é uma nova

aristocracia, responde a uma visão imediata e concreta, como

o suor e o sebo da massa no acto de uniformização da

multidão. O ajuizar de Pessoa põe em dúvida um dos dogmas

da modernidade: o igualitarismo. Diz Pessoa: “Aceito um

homem do povo como um itmão em Deus, como irmão em

Cristo, mas não como um irmão na Natureza”.

Pode duvidar-se agora da fé cristã de Pessoa, tão

interessado numa porventura utópica “reconstrução

transcendental do paganismo”. O que merece atenção é que

Pessoa não só se manterá afastado do salazarismo, como irá propor uma revisão das ideias consagradas da revolução e

da democracia. Há em Pessoa um espírito para com a

dissidência que é imensamente meritório e dá corpo, em

palavras, a certas sensações do homem moderno, como a

sua aceitação sentimental da massa e a sua repulsa física pelo

contacto com ela — o paradoxo de tornar livres os cidadãos

da urbe democrática mediante a uniformidade.

Pessoa considera que as revoluções são

fundamentalmente reaccionárias, uma vez que obedecem a

uma crença religiosa nos milagres. “O milagre é o que o

povo quer, é o que o povo compreende. Que o faça Nossa

Senhora de Lurdes, ou de Fátima, ou que o faça Lenine, aí, é

onde reside a diferença” (D). Para Pessoa, como para Maistre,

a Revolução Francesa legitima uma nova religião laica, um

messianismo secular que nega o direito aos privilégios e à

diferença, que proclama o modelo exclusivo do totalitarismo

democrático: em vez de ser diferentes, ser iguais.

Acontece então que a democracia deixa de ser uma

forma pragmática, para viver numa ordem de liberdades e

transforma-se na idealização suprema. Todos temos de nos

submeter ao progresso linear, à vontade abstracta da maioria.

Pessoa avisa: “O sufrágio representa, quando muito, a maioria

politicamente organizada, a qual, face à maiotia real da

sociedade, é uma minoria e, em geral, uma pequena minoria”.

Em Pessoa, a ideia do Império que, devido à acção

política de expansão das potências modernas, passou a ser

imperialista, retoma o seu significado de potência e de

unidade da Origem. O império deve agora expressar-se pelo

espírito: “Todo o império que não se baseie no império

espiritual é uma morte em pé, um cadáver que manda”. Que

entende Pessoa por acção espiritual? É uma acção de iniciação

que abre outros mundos, que revela uma realidade oculta e

que há-de conduzir à realização do “impérialismo

andrógino”, no qual irá imperar o masculino e o feminino. Não haverá, no discurso de Pessoa, outra forma de

providencialismo? Não já a habitual, a “superstição verbal”

da democracia, mas uma mistificação do “ser português” e

uma utopia lusitana, produto da razão, mais que do mito?

Pessoa tentou tornar cartesiano o super-homem e, em

geral, deu importância a uma tendência difusa para o

despotismo ilustrado que descreveu como a “oligarquia dos

melhores”. Mas o seu significado situa-se num lugar diverso

das ideias políticas, uma vez que se esforçou por transcender

o político pelo artístico. Bastou-lhe esse impulso para

confessar os seus demónios internos e animá-los num sonho

individual. Os seus fantasmas aparecem, às vezes, na

demolição da modernidade: a ordem exclusiva, a única

salvação. Pessoa revolta-se, com o mito, contra o tempo dos

deuses mortos.



sábado, 10 de maio de 2025

Lampião Herói - História Nordestina

 

A figura de Lampião sucinta criticas variadas, de rigor jurídico, sociológico e antropológico. Poucos vêem algo além disso e se escandalizam com seus pseudo moralismos. Tudo isso parte da incompreensão da mente moderna de um resquício recente, que bate quase a nossa porta, de como os antigos e arcaicos pensavam.

A mentalidade do Sertanejo não é moderna e, sobretudo, não é escrava da moral cristã, como dizia Niestche (2001), mesmo já inserida em um ambiente pós-cristão. A falha de muitos sociólogos está em não reconhecer que, socialmente, o Nordeste no início do séc. XX tinha uma composição que em muitos aspectos lembrava as sociedades arcaicas Indo-Europeias (cujas estruturas perduraram fortes até o Medievo, que por ignorância simples, muitos “intelectuais” brasileiros colocam como fonte última de comparação, como se o Medievo europeu, por si só, não fosse também resultado de algo mais arcaico…): a riqueza estava concentrada em gado e terras, mais do que em comércio ou outra coisa, uma organização social (e política) de base clientelista (que ia desde vaqueiros, trabalhadores, passando por famílias menos prestigiosas) em torno de “clãs”, com uma classe clerical de trânsito livre entre os agentes políticos (“coronéis”, representantes clânicos de poder sustentado pela base clientelista quase feudal) e a alimentação social (talvez pelo “isolamento” e “atraso”, dirão certos sociólogos) de uma moral de honra, palavra e reputação pública, de inconsciente fundo aristocrático.


A formação espacial do Cangaço por exemplo, não diferia das dos Citas indo-europeus. Como analisa Villela (1995)


  " O espaço alisado impõe uma dificuldade de orientação ao sedentário. Acostumado a mover-se em relação, o sedentarizado vê-se com problemas quando deve deslocar-se num espaço sem referências como o do Escita; um mundo sem formação: "Quando eles vêem uma Foice", diz Hartog sóbrio os Persas de Dario, "a única coisa que eles podem fazer é segui-los 'na trilha' (otißov) e se eles perderem o caminho, param. Isto faz com que uma guerra entre Escitas e Persas consistia-se numa fuga constante aquela perseguição desesperada destes sem se deixar nunca apanhar.  


O relato do tenente Odonel desenha um quadro muito semelhante para as tropas volantes. Inseridas num espaço itinerante, elas não tem como recurso de orientação senão os rastros deixados pela passagem dos grupos perseguidos e as informações que podem se retirar da população civil circundante. Sem uns e sem outras, como tropas estão irremediavelmente lançadas numa zona cega, região de plena escuridão. Existe, inclusive, uma categoria nativa para este tipo de situação: o policial que perde a rota perseguida fica " bestando " num espaço homogeneizado sem qualquer marco segundo o qual pode orientar-se." 


Nesse sentido, a Guerra de Razzia (ataques, invasão, pilhagem) era uma parte natural desse meio. Esta era a forma arcaica da Guerra e com ela estava a forma arcaica de heroísmo, segundo Priscilla Kershaw:


"Isso, por sua vez, nos lembra o que era a "guerra" nos tempos do Proto Indo-Eurpeus e na história inicial de todos os povos. A guerra era razzia: roubo de gado e rapto de mulheres. Até mesmo a guerra de Tróia foi uma razzia em grande escala. O que realmente aconteceu nunca saberemos, mas entre as passagens mais realistas da Ilíada estão aquelas em que Aquiles gaba-se de seus ataques por terra e mar aos vizinhos de Tróia durante o anos monótonos do cerco e as reminiscências de Nestor sobre seu ataque ao gado em sua juventude, enquanto na Odisséia temos o conto do herói do viking cretense, um personagem fictício cujo comportamento era muito parecido com o do próprio Odisseu após sua partida de Tróia. " (Kershaw, 1997, pag. 23)

Os atos bárbaros, violentos e sanguinolentos de Odisseu, Aquiles e Nestor em seu ataques (como "cangaceiros gregos") inspirariam na mentalidade moderna o horror e a pecha nestes de " estupradores, bandidos e facínoras ". Mas não faziam na mentalidade da época. Isso porquê o herói moderno é essencialmente um escravo da moral, uma copia do messias Judaico-Cristão. 


O herói tradicional, indo-europeu, mais bem representado pelos gregos, é alguém que transcede a moral. Sua função é se tornar um arquétipo, superar as próprias limitações através de seus feitos. A religiosidade olímpica impedia a transcendência da alma, assim, nessa impossibilidade de o homem ser elevado a um estatuto superior de existência, a divindade aqui não exige do homem nenhuma forma de transformação interior, não cabe espaço para alguma questão soteriológica sobre o post-mortem, ou algum tipo de caminho religioso pessoal, ascese, ou aspiração a alguma forma de santidade; estas não são questões que movem esta forma religiosa. De fato, a antropologia olímpica não concebe uma identidade imortal ao homem, como uma noção de alma. A alma homérica não é nada mais que um sopro, extrínseco ao ser do homem, e que o deixa no momento da morte, para posteriormente existir como uma mera sombra inconsciente no Hades. A identidade do homem se restringe à sua forma (o corpo) e ao seu nome, e diante da morte do primeiro, a única forma de imortalidade que lhe cabe é a do último, quando a memória do seu nome é preservada e seus louvores cantados pelas gerações posteriores. “A coroa da vida”, diz Otto (2007, p. 121).


Robert Parker estabele isso em seu livro On The Greek Religion: 


" E a piedade e as virtudes morais normalmente não fazem um herói; qualidade de estrela, excepcionalidade, noticiabilidade são os critérios relevantes na maioria dos casos. " 


 Confirmando isso Priscila Kershaw, citando Peter Walcot, nos diz:


 "Tucídides não estava errado", escreve Walcot, "ao descrever a antiga Grécia como uma era de piratas, acrescentando, ainda, que tal violência naaquele tempo não conferiu desgraça aos perpetradores, mas foi, ao contrário, um fonte de reputação." Odisseu certamente não espera nem recebe condenação por suas atividades de pirataria, e as razzias de Aquiles foram um motivo de vanglória, pois trouxeram-lhe mulheres e despojos. " (Kershaw, 1997, pag. 23).


A mentalidade do Sertanejo desenvolveu-se como as dos antigos, muito por conta do isolamento geográfico que acentou o arcaísmo daquele chão tardiamente medieval, onde não se tinha o mínimo de resquício do Iluminismo, segundo Luis Soler:


" Tais considerações trazemos à baila para ilustrar, antecipadamente, o que nos parece ser a última chave que explica a ausência de qualquer influência renascentista nos grupos humanos que povoaram o sertão. (...) Efetivamente, aqueles grupos não foram recrutados entre as camadas que podiam estar mais ou menos impregnadas da mudança de civilização representada pela Renascença. Eram populações a nível de soldadesca, de camponeses e pequenos comerciantes, no melhor dos casos; de párias e buscadores de fortuna. Não fosse assim, aliás, o vasto sertão, duro e difícil, incompatível com naturezas frágeis, não os haveria de reter. (...) Por outra parte, na Corte lisboeta, o “espírito da Renascença” certamente, aparelhava naus, fornecia armas e recursos. Mas o que embarcou no outro lado do Atlântico para povoar o interior nordestino, foi ainda o “espírito medieval” com suas lendas, suas crendices e seus mitos, seus hábitos, sua tábua de valores humanos e morais, suas rústicas diversões e suas artes despretensiosas. (SOLER, 1978, p. 74).


Com base nisso o heroísmo pro Sertanejo, de forma semelhante ao Gregos, desenvolve-se livre de amarras morais, mas cultivando no culto da valentia e da excepcionalidade.


Nos começos da vida social na caatinga, ao longo dos séculos XVII e XVIII, de forma generalizada, e mesmo de boa parte do XIX, em bolsões remotos, a vida da espingarda não se constituía apenas em procedimento legítimo à luz das circunstâncias, mas em ocupação francamente preferencial. O homem violento, afeito ao sangue pelo traquejo das tarefas pecuárias e adestrado no uso das armas branca e de fogo, mostrava-se vital num meio em que se impunha dobrar as resistências do índio e do animal bravio como condição para o as-sentamento das fazendas de criar. Naquele mundo primitivo, o heroísmo social forjava-se pela valentia revelada no trato com o semelhante e pelo talento na condução cotidiana do empreendimento pecuário. Nas festas de apartação, em que se engalanavam as fazendas no meado do ano, um e outro de tais valores — é dizer, valentia e talento — precisavam somar-se para a produção ou confirmação de heróis pelas vias da vaquejada bruta.


A cultura sertaneja abonava o cangaço, da mesma forma que os Gregos abonavam seus facínoras heróis ( como o enlouquecido atleta assassino em massa Cleomedes de Astypalaia ) malgrado o caráter criminal declarado pelo oficialismo — voz litorânea tomada como intrusa naquele meio — com as populações indo ao extremo de torcer pela vitória dos grupos com que simpatizavam, como se dá hoje nos torneios entre clubes de futebol, guarda-das as proporções.


O Sertanejo admira o cangaceiro e o trata como herói porquê ele é a personificação da coragem, valentia e excepcionalidade, como diria Câmara Cascudo, ao ponto de ser tornar arquétipico. A legenda dos capitães de cangaço mais famosos vai sendo esculpida de forma sedimentar pelos versos dos cantadores de feira, emboladores e cegos rabequeiros, todos dispostos a cantar a última façanha de guerra do grupo de sua preferência. Realizando assim a transcendência olímpica do indivíduo através do seu nome mantido como mito pelas gerações posteriores.


sábado, 3 de maio de 2025

A Superioridade da Tradição

 


A superioridade da Tradição se expressa no fato de que no século V os antigos escandinavos já sabiam das capacidades cognitivas dos corvos e, por isso, o animal é utilizado para simbolizar duas propriedades de Odin, Huginn (Pensamento) e Muninn (Memória).  


Odin, como deus da "primeira casta" (dos reis-sacerdotes, reis-magos, chefes-xamãs, etc.), rege o intelecto e, surpresa surpreendente, é chamado de "deus-corvo". Odin é associado pela disciplina da Religião Comparada a Hermes, o "mensageiro dos Deuses", função que possui importância iniciátiva, e é Odin quem ensina os segredos das runas.


Um poema escáldico chamado Hrafnsmal (A Canção do Corvo), é a representação de um diálogo entre uma valquíria e um corvo sobre os feitos heróicos de Haroldo I Cabelo Belo, poderia parecer trivial, mera puxação de saco de algum poeta, se não soubéssemos o que são esses personagens. 


A figura da valquíria tem sido comparada à figura da fravashi persa. As fravashis são espíritos femininos alados que servem Ahura Mazda, e estão associados a grandes guerreiros. Talvez seja ainda mais fácil apreender a ideia aqui, se lembrarmos que Evola diz que a valquíria/fravashi é o daemon do herói. A valquíria guia o espírito do herói para o Valhalla, e há fortes indícios de que tanto as valquírias como as fravashis possuem alguma ligação com clãs específicos, como os lares romanos. 


Nesse sentido, o Hrafnsmal é um diálogo entre o daemon de Haroldo com o seu intelecto (ou alma, considerando as interpretações xamânicas do simbolismo do corvo), onde o daemon (a valquíria) pergunta ao intelecto/alma (que, diz o poema, o acompanhou até a morte e comeu a carne dos cadáveres dos campos de batalha pelos quais ele passou) sobre as virtudes de Haroldo (segundo os valores escandinavos), se ele foi corajoso, se ele foi generoso, se ele foi hospitaleiro, etc. Altamente iniciático. 


Mais recentemente, foi registrado entre os dinamarqueses a crença nos valravns. Os valravns seriam o resultado de quando um corvo se alimenta da carne de um herói, chefe ou rei morto em batalha, mas nunca enterrado. Esses valravns, então, adquiriam grandes conhecimentos mundanos e misteriosos, poderes de metamorfose e empreendiam atos de malícia, etc. Obviamente, esse folclore está falando de xamãs ligados a Odin, já que quase ninguém lembra que Odin também é um "Trickster" (há teses de que Loki é Odin, ou que pelo menos Loki é a "sombra" de Odin, e por aí vai).


1500 anos depois, cientistas descobrem que "corvos são inteligentes", e inclusive que "pensam sobre o pensamento", teorizam, etc. Que atraso. Bem, pelo menos, por outro lado, isso mostra que a ciência e o mito se complementam, e não passam de duas linguagens diferentes que podem ser usadas para descrever o Mundo. A ciência faria bem e experimentaria grandes saltos se prestasse uma atenção maior ao lugar de seu nascimento.

Irã, Israel, Rússia, USA - Alexander Dugin

  Alguém, talvez, ache que a Terceira Guerra Mundial pode nos passar ao largo. Isso é o “síndrome dos Patricks”. Tudo o que acontece ao redo...