sábado, 17 de maio de 2025

Lusitanos - José Luís Ontiveros

 

Quando Portugal e Espanha dominavam no Ocidente,

as culturas pré-colombianas afirmavam-se como alternativa

do mundo tradicional, em particular, a minha ascendência

mexicana, que se fundamenta nas crenças solares e no

pessimismo heróico do povo Azteca, o “povo do Sol”. Em

seguida, sucedeu-se uma série de desastres que a linhagem

românica partilhou. Impôs-se o monismo judeo-cristão e

sepultaram-se os deuses, que ainda dormem enquanto a taça

se definha. Portugal e Espanha decaíram, face ao empurrão

das potências mercantilistas e usurocráticas, unidas ao

“pathos” racial fomentado pelo capitalismo, como tão bem

explica Werner Sombart. As nossas línguas perderam a sua

ambição imperial e encontram-se agora ameaçadas pela

globalização etnocida e pelo domínio de um “esperanto”

dos mercadores. Mas, nestes momentos de extrema penúria,

de falta de vontade de luta pela nossa diferença, sutge o

exemplo magnífico de Luís Vaz de Camões, o poeta guerreiro,

o grande forjador do português, com o seu olho perdido

por obediência ao destino e encontrado, luminoso, entre as

páginas Os Lusíadas; logo aparece, com os seus óculos

voláteis, o seu credo aristocrático e os seus “heterónimos”

que rondam pela aba do seu chapéu, o enorme Pessoa. Com

a bênção de Camões e Pessoa, dedico esta muito breve

aproximação ao escritor que soube desafiar os dogmas de

uma civilização moribunda — Fernando Pessoa —, com um

gesto de agradecimento da “barbárie” aos irmãos de língua

portuguesa, na lembrança imperial de um só destino, na nossa

relação particular com o Brasil, no âmbito de uma mesma

“pátria espiritual”, sob a glória dos pendões de Vasco da

Gama e do símbolo imbatível do rei D. Sebastião.


Fernando Pessoa: o valor do mito

Dizia Ezra Pound que “poucos homens se podem

permitir, pela simples razão de que, ao fazê-lo, poderiam

por em perigo os seus proventos (directamente), ou o seu

prestígio, ou posição, num ou noutro dos mundos

profissionais, o comprometer-se pelos seus pontos de vista”.

Entenda-se este compromisso como uma exigência da

própria pessoa, independentemente de qualquer

compromisso com os outros. Esta política de um dever

interior fica manifesta nos juízos artísticos de Fernando

Pessoa sobre a política.

O poeta português, crente no mito lusitano do regresso

de D. Sebastião (o rei que representa o regresso à centralidade

na vida espiritual de Portugal e que cumpre a função poética

e profética do mito), revelou uma parte de si numa série de

obras políticas, que mais deveriam ser consideradas como

metapolíticas, e constituem uma forma de poetizar ou

transcendentalizar a política. Convergem em Pessoa diversas

influências. Porventura o seu aspecto menos otiginal é o que

o faz tributário das crenças dominantes na civilização

moderna, como o racionalismo, o positivismo e o culto da

organização. Nesse aspecto, Pessoa assemelhar-se-ia a um

discurso spenceriano, muito mais imaginativo, mas não iria

mais além. Pessoa é um artista que olha a política no seu aspecto

estético e talvez se expressasse sobre ele com reflexões como:

“Mas o permanente é instaurado pelos poetas” e “Os únicos

que mudaram mais os povos foram os poetas”. Assim, o

poeta português concebe-se como um intérprete do

verdadeiro “ser português”, protagonista teórico do

misterioso Núcleo de Acção Nacional, que escreve “não (a)

todos os portugueses que nos leiam, mas (a) todos os que

nos saibam ler”. Trata-se de mitificar a razão para a subverter.

Pessoa considera, então, que o mito é muito mais importante

do que a razão, para uma acção política que pretende ser

artística. E essa é, quiçá, a origem do seu conservadorismo

aristocrático, em que a política é considerada como a

substância mais medíocre e imediata, como reino da fealdade

e da falta de imaginação.

Em 4 igualdade entre os homens, Pessoa assinala, primeiro,

um sentimento e, logo a seguir, um juízo. Descreve o que

certamente experimentou no meio da massa, nas fauces do

poder anónimo da época: “A verdade é que entre um

trabalhador e um macaco há menos diferença do que entre

um trabalhador e um homem realmente culto”. Se tal emoção

de uma diferença pudesse ser tomada como uma negação

do mito soreliano, pelo qual o proletariado é uma nova

aristocracia, responde a uma visão imediata e concreta, como

o suor e o sebo da massa no acto de uniformização da

multidão. O ajuizar de Pessoa põe em dúvida um dos dogmas

da modernidade: o igualitarismo. Diz Pessoa: “Aceito um

homem do povo como um itmão em Deus, como irmão em

Cristo, mas não como um irmão na Natureza”.

Pode duvidar-se agora da fé cristã de Pessoa, tão

interessado numa porventura utópica “reconstrução

transcendental do paganismo”. O que merece atenção é que

Pessoa não só se manterá afastado do salazarismo, como irá propor uma revisão das ideias consagradas da revolução e

da democracia. Há em Pessoa um espírito para com a

dissidência que é imensamente meritório e dá corpo, em

palavras, a certas sensações do homem moderno, como a

sua aceitação sentimental da massa e a sua repulsa física pelo

contacto com ela — o paradoxo de tornar livres os cidadãos

da urbe democrática mediante a uniformidade.

Pessoa considera que as revoluções são

fundamentalmente reaccionárias, uma vez que obedecem a

uma crença religiosa nos milagres. “O milagre é o que o

povo quer, é o que o povo compreende. Que o faça Nossa

Senhora de Lurdes, ou de Fátima, ou que o faça Lenine, aí, é

onde reside a diferença” (D). Para Pessoa, como para Maistre,

a Revolução Francesa legitima uma nova religião laica, um

messianismo secular que nega o direito aos privilégios e à

diferença, que proclama o modelo exclusivo do totalitarismo

democrático: em vez de ser diferentes, ser iguais.

Acontece então que a democracia deixa de ser uma

forma pragmática, para viver numa ordem de liberdades e

transforma-se na idealização suprema. Todos temos de nos

submeter ao progresso linear, à vontade abstracta da maioria.

Pessoa avisa: “O sufrágio representa, quando muito, a maioria

politicamente organizada, a qual, face à maiotia real da

sociedade, é uma minoria e, em geral, uma pequena minoria”.

Em Pessoa, a ideia do Império que, devido à acção

política de expansão das potências modernas, passou a ser

imperialista, retoma o seu significado de potência e de

unidade da Origem. O império deve agora expressar-se pelo

espírito: “Todo o império que não se baseie no império

espiritual é uma morte em pé, um cadáver que manda”. Que

entende Pessoa por acção espiritual? É uma acção de iniciação

que abre outros mundos, que revela uma realidade oculta e

que há-de conduzir à realização do “impérialismo

andrógino”, no qual irá imperar o masculino e o feminino. Não haverá, no discurso de Pessoa, outra forma de

providencialismo? Não já a habitual, a “superstição verbal”

da democracia, mas uma mistificação do “ser português” e

uma utopia lusitana, produto da razão, mais que do mito?

Pessoa tentou tornar cartesiano o super-homem e, em

geral, deu importância a uma tendência difusa para o

despotismo ilustrado que descreveu como a “oligarquia dos

melhores”. Mas o seu significado situa-se num lugar diverso

das ideias políticas, uma vez que se esforçou por transcender

o político pelo artístico. Bastou-lhe esse impulso para

confessar os seus demónios internos e animá-los num sonho

individual. Os seus fantasmas aparecem, às vezes, na

demolição da modernidade: a ordem exclusiva, a única

salvação. Pessoa revolta-se, com o mito, contra o tempo dos

deuses mortos.



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