Sem ser um povo de contemplativos, somos uma nação de imaginativos. E essa mesma imaginação que sabe criar tão poderosamente, sabe aniquilar e pulverizar com a presteza dos relâmpagos. De sorte que o brasileiro oscila continuamente entre arrebatamentos e depressões, períodos de exaltação heróica, seguidos de marmóreas apatias e céticos desânimos.
Os grandes estados de espírito nacionais, as paixões partidárias, os sentimentos de ódio e vingança, de amor e de entusiasmo, passam sobre nós como as ondas de frio ou calor, produzindo seus efeitos com rapidez assombrosa, mas desaparecendo tão rapidamente que não deixam vestígios.
Essa feição generalizada da mentalidade brasileira é a vaga por onde perpassam as correntes de ideias, sem que nenhuma exerça uma predominância absoluta. Em nenhum país do mundo é mais fácil a introdução de qualquer ordem de ideias. A novidade empolga nos primeiros instantes e parece que a vitória foi a mais completa possível. Basta, entretanto, esperar um pouco, para que a desilusão seja total.
A tendência da mentalidade brasileira, pois, é para não assumir compromissos definitivos. Ora, os compromissos transitórios só se possibilitam nos domínios dos interesses mais materiais ou das razões sentimentais, motivo por que o brasileiro, no plano mental, apresenta-nos a paisagem curiosa de uma heterogeneidade inconciliável.
Constituirá isto um defeito ou uma qualidade? Seja lá como for, ao estudioso das questões brasileiras não pode passar sem registro muito especial a circunstância de fracassarem aqui todos os programas, todas as ideologias, tudo o que provenha dos planos da inteligência, do raciocínio, da razão. Queixam-se os comunistas e queixam-se os católicos, queixam-se os socialistas e queixam-se os liberais-democráticos, queixam-se todos os que desejariam sistematizar os movimentos sociais e políticos do Brasil.
Temos vivido num empirismo, numa improvisação diária, sem objetivo nem finalidade.
O Brasil é a instabilidade, a dúvida, a confusão, se o apreciamos sob o aspecto mental; como é a complexidade, a simultaneidade de movimentos, se o consideramos do ponto de vista econômico, étnico, e principalmente partidário.
É, sobretudo, o país das interinidades sucessivas.
E, entretanto, há, inegavelmente, uma unidade brasileira. Que cumpre pesquisar, cujos fatores cumpre revelar, cuja força é necessário captar e dirigir. Não a procuremos nos domínios da inteligência, que não pôde, até hoje, ser disciplinada. Ela está antes no sentimento nacional.
Os homens de pensamento e de ação que desejarem realizar aqui qualquer sistema, não basta que conheçam as teorias, as leis desse sistema, ou que se conservem nas grandes ideias gerais; eles necessitam penetrar a fundo este povo para procurar, no terreno movediço da opinião e do próprio caráter brasileiros, os pontos de apoio sem os quais se torna impossível qualquer obra duradoura.
O problema brasileiro é muito mais difícil do que os da Rússia, da Itália e da Alemanha. Os modelos de Lênin, de Mussolini e de Hitler, suas estratégias, seus processos não valem nada no caso do Brasil.
A geração nova precisa estar convencida de que o 'homem' que ela deverá engendrar não poderá ser uma só coisa: um caudilho, um cabo eleitoral, um santo, um cientista, um filósofo, um agitador, mas um pouco de tudo isso.
Em 1923, escrevi: 'Nós somos o Curupira das mil feições. Somos crentes e incrédulos, valentes e medrosos, inteligentes e bobos, perversos e bondosos — tal e qual o demônio das florestas… O Curupira ou Caapora é a própria alma nacional, na sua inquietude permanente, renovando-se cada noite'.
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