Eu diria que algo oculto, o pressentimento de uma solidão silenciosa, era a primeira impressão mais forte que nos cativava na aparência de Nietzsche. Ao observador superficial ela nada oferecia de incomum: esse homem de estatura mediana, em suas roupas extremamente modestas, mas também extremamente bem-cuidadas, com traços calmos e os cabelos castanhos puxados para trás com simplicidade, podia facilmente passar desapercebido. As linhas da boca, finas e muito expressivas, eram quase completamente cobertas por um grane bigode, penteado para frente; tinha um sorriso leve, um jeito de falar calmo e um andar cuidadoso e reflexivo, em que inclinava um pouco os ombros. Dificilmente se poderia imaginar essa figura em meio a uma multidão humana; ela trazia o cunho do isolamento e da solidão. Incomparavelmente belas e nobremente formadas, de modo que involuntariamente atraiam o olhar para si, eram as mãos de Nietzsche, e ele próprio acreditava que lhe revelassem o espírito. Uma nota se acha em Para Além do bem e do Mal (288): “Há homens condenados a ter espírito; podem virar e revirar quanto queiram e manter as mãos diante dos olhos traidores (como se as próprias mãos não fossem também traidoras!)”.
A expressão dos olhos, sim, era verdadeiramente traidora. Semicerrados, não possuíam, contudo, nada do olhar espreitador, pestanejante, indiscreto, que rejeitamos em muitos míopes; pareciam, antes, guardiões e protetores de tesouros próprios, de segredos calados, que nenhum olhar sem permissão deveria sequer roçar. A visão deficiente dava a seus traços uma qualidade toda especial de encanto, pois, em vez de refletir expressões exteriores cambiantes, reproduzia apenas o que se passava em seu interior. Eram olhos que olhavam para o interior e, ao mesmo tempo, por sobre os objetos mais próximos, para o distante, ou melhor, para o distante como se estivesse próximo. Pois, no fundo, toda a sua investigação de pensador não era senão a investigação da alma humana em busca de “suas possibilidades ainda inexploradas” (Para Além do Bem e do Mal, 45), possibilidades que ele criava e recriava para si. Quando revelava seu ser no curso de uma excitante conversa a dois, um esplendor passageiro talvez cintilasse em seus olhos; porém, se estivesse de humor sombrio, eles expressariam uma solidão lúgubre e quase ameaçadora, que pareciam brotar de profundezas inquietantes – daquelas profundezas onde sempre permaneceu sozinho, que não pôde repartir com ninguém, e diante das quais o horror às vezes o arrebatava – e nas quais, por fim, seu espírito naufragou.
O comportamento de Nietzsche causava também semelhante impressão do calado e do oculto. No dia-a-dia era de grande polidez e de uma suavidade quase feminina, de uma serenidade constante e benévola; gostava das maneiras elegantes nas relações e lhes atribuía grande importância. Nisso, porém, sempre existiu um gosto pelo “disfarce”: manto e máscara de uma vida interior quase nunca desnudada. Lembro-me de que, ao falar com Nietzsche pela primeira vez (era um dia de Primavera na Igreja de São Pedro), sua formalidade rebuscada me impressionou e me iludiu durante os primeiros minutos. Porém, a formalidade não enganava por muito tempo nesse solitário, que usava sua máscara tão inabilmente quanto alguém que, oriundo do deserto ou da montanha, usa o casaco dos mundanos. Logo surgiu a questão que ele resumiu nestas palavras: “Em tudo que um homem deixa ficar visível, pode-se perguntar: o que está escondendo? Do que estará desviando nosso olhar? Que preconceitos estará provocando? E ainda: de até onde vai a sutileza de seu fingimento? E nisso, onde se engana?”.
Este traço representa apenas o reverso da solidão, a partir da qual devemos compreender a vida interior de Nietzsche, ou seja, a partir de um isolamento e de um relacionamento consigo mesmo sempre crescentes.
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